Pokem-Off: Kōsaku Anakubo
- Vida de Treinador
- 24 de mar.
- 7 min de leitura

Como era de se esperar de uma franquia tão multimilionária, diversos são os mangás que carregam o nome Pokémon: alguns mais conhecidos, outros menos; alguns com saga, outros de história única; alguns baseados nos jogos principais, outros nos spin-off... Enfim, falar de todos eles de uma só vez é impossível. Nesta sessão de hoje, vamos falar de apenas um: o Pocket Monsters, do icônico Kōsaku Anakubo.
Lançado em Abril de 1996, dois meses depois dos jogos, Pocket Monsters foi o primeiro mangá oficial de Pokémon. Sua publicação aconteceu, ao longo do de quase 20 anos em diversas revistas da CoroCoro, tanto nas alternativas, quanto na principal. Na época, Kōsaku Anakubo era um mangaka iniciante porém já prestigiado, pois havia trabalhado durante seis anos no título "Ore wa Otoko Da! Kunio-kun" (algo como: "Já sou um homem! Kunio-kun!); quadrinho que adaptava a popular série de jogos Kunio-Kun oriunda dos arcades em 1986. Foi por este mangá, que Anakubo havia ganhado o Prêmio Shogakukan Manga, em 1995, na categoria mangá para crianças - um prêmio importantíssimo para o setor, visto que é, até hoje, o mais antigo e longevo prêmio de mangás do Japão, existindo desde 1956.


Com um mangá de sucesso e uma premiação no bolso, portanto, Kōsaku Anakubo não era, qualquer um - mas, Pokémon sim kkkk. Calma, não me leve a mal, mas é que Pokémon Red & Green havia literalmente lançado só há um mês, quando Anakubo foi convidado para encabeçar o mangá. Era uma aposta. Era trabalho remunerado para alguém desempregado (Kunio-Kun já havia encerrado). Mas era um risco. E ele topou.
Seu trabalho de roteiro e ilustração começou em Março e já na edição seguinte lá estava as aventuras de Red e... Clefairy! Isso mesmo... Clefairy! Ou Pippi, como costuma ser reconhecida a personagem, em seu nome original, quando se fala do mangá de Anakubo. A escolha por Pippi, também foi uma surpresa para ele. O autor revelou em entrevista anos depois que, na mesa de negociação e criação, havia cinco possibilidades para quem seria o mascote central do mangá de Pokémon para a CoroCoro: Bulbassauro, Charmander, Squirtle, Pikachu e Clefairy! E, ainda que ele preferisse Pikachu, foi orientado por ordens superiores de que ele optasse por Clefairy e, pra evitar fadiga, Kousaku aceitou (mas ele preferia que fosse Pikachu).

O gênero que Kōsaku Anakubo havia se especializado é entendido como um subgênero da Comédia, o "Gag Comedy" (Comédia Pastelão ou Comédia Visual). A ideia dessa temática de mangá é gerar riso através de humor questionável, situações constrangedoras, referências à cultura Pop, piadas com genitálias, gases e violência corporal. Penso eu que é justamente por Anakubo ser conhecido por tal gênero, que os contratantes escolheram Clefairy para protagonizar: no Gag Mangá, personagens aparentemente fofos (ou chibi) geram mais estranhamento em situações escrotas do que um com design já claramente escroto. A Pippi (que poderia ser traduzido como "fadinha") no mangá é bem grosseira e trambiqueira, falando sempre coisas que beiram os limites da ética e da moral. Sim, a personagem fala, inclusive coisas escrotas (e não é a única a falar no mangá; que nunca nem se preocupou em explicar isso direito).

Estranhamente, para nós ocidentalizados, o humor pastelão é bem comum em edições infantis no Japão. Nele, a tensão que separa o mau gosto absoluto da comédia do absurdo é sempre tênue. Essa simplificação da piada a quase um "humor corporal" é também chamado de o humor pelo humor. Em outras palavras, o objetivo do Pastelão não é trazer complexidade e reflexão que a Comédia é tão capaz, mas sim fazer humor pelo humor, sem reflexão, apenas insanidade - não à toa, esse é um gênero tão popular entre crianças (e homens adultos).

Aqui no Brasil, duas obras clássicas de Gag Comedy japonês aportaram no início dos anos 2000: uma era do aclamado Akira Toryiama: Doctor Slump, chegando às bancas; a outra era Shin-chan, exibido no canal pago Fox Kids (numa versão já em cortes, vinda dos Estados Unidos, mas que ainda assim incomodou, a ponto do prefeito do Rio de Janeiro, daquele ano, César Maia pedir suspensão do desenho, no Ministério Público, do horário infantil (algo que já era assim porque Shin-Chan passava às 22h).

Uma outra característica do mangá de Kōsaku era como ele apresentava os personagens dos jogos. Uma das análises feitas hoje, sobretudo aos seus primeiros desenhos, é quanto à falta de fidelidade com a artwork de Ken Sugimori (os olhos verdes de Pikachu e as patas e orelhas roxas de Clefairy são alguns dos exemplos), mas nunca ficou claro a que isso se devia. Talvez, fosse uma questão de envio de material mesmo. Como era tudo muito novo, pode ser que ele desenhasse algumas coisas de memória ou da forma como tinha entendido vendo o sprite; é o caso dos pokés abaixo com marcações bem peculiares.


O mesmo processo de resquícios de autoria e maluquice também se repetia com os personagens humanos de Kanto - com direito a uma Misty que parecia pronta pra dar soco na costela de boylixo - e um Lt Surge que tinha uam vibe bem americanizada, sempre aparecendo com algum armamento por perto (amou a crítica?). Penso que a cereja do bolo é o Bill que foi desenhado como se fosse um Pokémon autoral, quando usa usa máquina, e a Agatha que era capaz de mudar sua aparência para parecer jovem, como ilusão. kkkkkk

Bom, claro que, apesar de inúmeras abordagens criativas e psicodélicas para a produção de suas gags, o nome de Kōsaku costuma ser lembrado como "do cara que desenhou o Charmander puxando as bolas de Ash - mas dizer isso é limitá-lo a um simplismo, afinal ele fez muito mais que isso: ele também botou Pikachu pra bater um cagão de tanto se esforçar pra soltar um choque no rio e Clefairy pra mijar no adversário no meio da batalha!!!

Quando se pegava o mangá de Kōsaku Anakubo para ler, não dava para saber o que viria mesmo, tinha até referências a filmes e cultura Pop, paródias que costumam ser uma técnica muito presente nas Comédias Visuais.

Essa doidice divertida (ou não) continuou por quase 20 anos, sendo finalizada em 2019, quando a última aventura aconteceu, em Galar (Lillie estava na jornada junto a Red), e sendo comunicada por diversos veículos de notícias e tudo como um adeus.

Mas, na real, o que rolou foi que Kōsaku deixou de publicar em uma das revistas propriedade da CoroCoro Company, e agora sai em uma outra. Nesta pequena pausa, o autor passou a desenvolver um novo projeto chamado "Sauna Wars", cujo título já é uma piada em si: envolve, simplesmente, uma disputa entre a vida e a morte numa... SAUNA! Por se dedicar aos dois projetos, nem sempre Kōsaku Anakubo, agora com 67 anos, consegue entregar mensalmente os mangás de Pocket Monsters na CoroCoro - mas sua ausência é sentida por fãs que ainda adoram seu projeto.
O mangá de Pocket Monsters nunca foi lançado pelas bandas de cá do BR, embora tenha rolado algumas tentativas de ele atravessar a Ásia e vir pras bandas de cá. Mas, provavelmente, a essa altura, a Game Freak e a Pokémon Company já entendiam que para nosso moralismo Ocidental, o mangá não ia funcionar ou, talvez, seria usado como antipropaganda sobre o compromisso que a franquia tem com a infância e a family friendly vibe herdada dos States.
Seu traço único e característico e seu humor peculiar e controverso, contudo, seguem sendo referência do Gag Comedy - e outras obras depois dessa dificilmente terão a mesma liberdade e ousadia que não só foi permitida como também conquistada, exercida e reivindicada nas canetadas de Kōsaku.

PS.: Muitas ilustrações e discussões sobre o autor podem ser encontradas aqui e aqui (em inglês), feita por dois fãs e pesquisadores que ajudam a memória de Pokémon não cair em lost media. Fica a recomendação.
O site ainda está em versão beta; por enquanto estou apenas tentando criar os 20 artigos que já havia esboçado; assim que concluí-los finalizo o layout. Por enquanto, aproveitem o passeio pelo que já foi feito e até a próxima









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