Pokecheck: Corsola e Cursola
- Vida de Treinador
- 5 de mar.
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de mar.

Corsola chegou aos mares do mundo Pokémon em Johto, em 1999, e, desde então, esteve em quase todos os jogos. Mas, muito mudou no mundo desde que estreou em Pokémon Gold & Silver. E é sobre essas mudanças de que vamos falar aqui.
Não há dúvidas alguma de que Corsola é uma referência aos corais, algo que é notado desde o seu nome. No original em japonês, o nome homenageia essa coisa linda e solar que são os arrecifes coral: サニーゴ : Sunnygo (junção de Sunny + Sango, isto é: ensolarado + coral) e, em outras línguas também se mantém essa brincadeira comum nome que lembre leveza. De fato, o design de Corsola reforça muito essa imagem brilhante e poderosa do verão.

Os corais são animais marinhos, do reino dos cnidários, e estão distribuídos pelo mundo todo. No Brasil, por exemplo, a presença significativa deles na costa pernambucana inspirou o nome de Recife (coletivo de corais); mas o mais famoso mesmo do mundo é o "Grande Barreira de Corais", que você deve conhecer se prestou atenção nas aulas de Geografia da Escola, ou se assistiu a "Procurando Nemo", porque é lá em que a história começa, antes da Odisseia de Marlin e Dory até a P. Sherman, 42 Wallaby Way, Sydney.
A Grande Barreira de Corais é o maior organismo vivo da Terra, com quase 2.300km de extensão, reunindo milhares de recifes e atóis - isso é tão grande que dá para ver do espaço e fica na Austrália e se estende para além dela... mas não chega ao Japão, que é o que nos interessa aqui.
O Japão, em sua união de ilhas, tem recifes em vários locais, sendo os de Okinawa (extremo Sudoeste japonês) os mais famosos. As pequenas ilhas que formam Okinawa, contudo, não foram a base de inspiração para Johto, e sim para Hoenn (daí o #toomuchwater); os arrecifes que inspiraram o design de Corsola provavelmente ficam na região de Kushimoto, onde está a maior concentração de corais duros de Kansai (região japonesa que inspira Johto).

Daí pra frente - Hoenn, Sinnoh, Unova, Kalos -, Corsola bateu ponto em todos, porque, em pequena ou larga escala, em todo canto do mundo os recifes se formam com seus corais... até que Alola chegou e resolveu começar a problematizar.
Desde a primeira geração, sabemos que entre os pokés também existe uma relação de presa e predador, embora isso, muitas vezes seja suavizado com a ideia de que eles são "rivais" ou "não se dão bem". Em Alola, essa perspectiva relativizadora se manteve, mas foi ali que surgiu a primeira referência de que as coisas não estavam muito bem no mundinho ensolorado de Corsola.

Apesar de ser visualmente uma "devoradora" de Corsola, Mareanie tanto na lore do jogo quanto na saga do anime Sun & Moon não é "assassina", ela apenas devora partes da estrutura de Corsola, de forma que até "ajuda" Corsola a renovar esses pedaços do corpo, e também deixá-los menores para ela não ficar presa acidentalmente com "galhos" muito grandes - quase que uma espécie de mutualismo porque a Corsola tem vantagens com essa quebra, enquanto Mareanie faz sua refeição favorita.
Na lógica de Alola, inclusive, Mareanie é detestada pela comunidade pesqueira local por se alimentar dos pedaços de Corsola porque... os humanos queriam eles para si; pra cozinhar!

A real, contudo, é que, no mundo animal de fato, a estrela-do-mar do tipo coroa-de-espinho em que se baseia o design de Mareanie (e também de Toxapex) é uma devoradora de corais sem dó nem piedade - ao ponto de sua presença precisar ser controlada nos arrecifes para não causar uma devastação completa e acabar com ele inteiro, tornando-se uma praga. Alola, aparentemente, quis suavizar isso (embora não tenha suavizado o plot da mãe tóxica que destrata seus filhos ao ponto de ambos fugirem de casa; choices), mas, ao menos manteve como referência o fato de as estrelas coroas-de-espinho serem extremamente venenosas.

Entre os anos de 1969 a 1991, o Japão retirou quase 1,5mihão de coroas-de-espinho de seus mares para evitar a destruição dos corais, ou pelo menos retardá-la. Atualmente, desde 1995 segue em nova empreitada de controle; a ação mais comum feita hoje consiste em injetar 20ml de vinagre em algumas partes nela e deixa que, em 48 horas, ela se desfaça como uma gosma. Cruel, porém necessário.
Mas não tão necessário como fazer algo para evitar o que de fato é responsável pela inevitável morte de quase 100% dos corais do mundo até 2050: o aquecimento das águas, como consequente da ebulição global em que vivemos. Sim, se a gente for pensar bem, não era justo mesmo Mareanie ser tratada como vila, quando somos nós o verdadeiro mal dos mares. Por isso, Galar foi rainha ao expor a verdade, contando sobre o embranquecimento de corais:

A antes estrutura de cálcio que Corsola, nos outros continentes, agora vira lembrança de um mar que está em destruição em Galar. Essa versão tem parte do seu corpo fantasmagorizado e vagueia pelos oceanos sugando a energia espiritual que encontra mar adentro... e, quando ela suga bastante necroenergia, ela evolui para Cursola.
O nome Cursola, escolhido pela versão americana, infelizmente apaga parte da ideia do design da evolução galariana do Pokémon Coral. Embora seja criativo por dar ideia de a morte dos corais está a uma letrinha de distância (bem perto), o conceito de Cursola não é bem o de maldição (aludido pelo "curse" em inglês) - afinal, amaldiçoados estaremos nós sem os corais e com o desequilíbrio ecológico resultante disso. Em japonês, a mudança de nome também é discreta: Sunnygo vira Sunnigon, cujo "goon" final se refere a uma "gorgon", ou górgona - algo que pareceria forçado se não fossem dois motivos. O primeiro é o nome em alemão que torna mais explícita essa conexão: Corasson evolui para Gorgasson, e o "Gorga" ali é mais clara a semelhança com a palavra górgona.
O segundo motivo é: quem toca nos ectoplasmas que compõem o corpo de Cursola: fica petrificado, tal qual as górgonas faziam com quem as olhasse nos olhos. Ah, se achou estranha essa palavra ectoplasma, te digo o que é: é a materialização do espírito numa forma que é meio gelatinosa. Como Corsola Galariana já está morta sem "galhos", a não ser os intangíveis e semi-invisíveis que tem em seu corpo fantasma, ao evoluir, Cursola meio que recupera eles, fazendo-os com a energia vital coletada oceano afora tão cheio de morte e dor devido à poluição e aquecimento das águas.

As górgonas são descritas na mitologia grega como mulheres com cabelo de serpente, sendo elas três irmãs - a mais popular era Medusa. As irmãs eram filhas de duas entidades divinas dos mares e tinham o poder petrificar quem a fitasse nos olhos. Na Inglaterra, também foi chamada de Górgona um navio de batalha usado na Primeira Guerra mundial - algo que só estou mencionando porque não é a primeira vez que há uma suspeita de referência bélica em Galar.
Mas aí já é suspeita e incerteza. Por ora, as referências que valem são as marinhas realmente e nosso poder de destruição nos mares - a de nos destruir em outros não, fica para um próximo post, não é como se não faltassem oportunidades de admitirmos as falhas da humanidade a partir dos olhos do universo Pokémon.
Mas para a fé não morrer em nós agora, porque o clima pesou no texto; fiquemos com a Corsola original e a beleza que os mares do nosso planeta ainda oferece, apesar de nós.

A Gomes Francisco se pretende um blog que mistura Pokémon e Design, mas, por ora, está na sua versão beta; antes dos oceanos serem destruídos pela humanidade, contudo, a versão final sai. Prometo me apressar, não há tanto tempo...
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